Por que traduzir o Sete contra Tebas? Por que reler a configuração em drama trágico do confronto mortal entre os dois filhos de Édipo? Por que retornar ao destino funesto do herói tebano e à maldição que o soberano parricida e incestuoso lança contra Etéocles e Polinices?
É que a encenação do assassinato mútuo dos dois irmãos pressupõe de início uma antropologia, uma antropologia como concepção do agir humano. Ao homem só resta aceitar e assumir o destino inscrito no papel que lhe é atribuído como ser mortal. Esse destino é levado a cabo pelos deuses, os quais o homem mortal deve por seu turno venerar. É a oportunidade de nos interrogarmos sobre as expectativas e as motivações de nossas próprias ações, em nossa própria antropologia, atravessada pela ideologia da arrogante autonomia do indivíduo.
Mas a tragédia grega é também uma criação poética. Do rumor das armas colidindo evocado pelo mensageiro até os gemidos de ritual funerário proferidos pelas mulheres de Tebas, em coro, as palavras forjadas por Ésquilo nos remetem à linguagem e a seu impacto emocional: língua poética exprimindo afetos e causando reações emotivas. É um efeito emocional que deve ser levado em conta também para as mensagens difundidas pelo Facebook ou Twitter.
Além disso, quem fala em linguagem, fala igualmente em sistema de signos e, por consequência, em significação. Ésquilo, o poeta das palavras, é também um criador de imagens. Chamados — não por acaso — de sémata, os escudos com brasões dos sete heróis designados para as sete portas de Tebas são portadores de uma simbologia impressionante. O que nos leva a pensar sobre os sofisticados meios contemporâneos de uma semiótica publicitária sofisticada, cada vez mais agressiva e invasiva.
Por fim, o Sete contra Tebas apresenta o paradoxo de um grupo coral que Etéocles remete constantemente à sua condição de mulheres chorosas em contraste com o estatuto masculino do guerreiro combatente. No entanto, são essas as mulheres que defendem a cidade contra a família real golpeada pela maldição e pelo trágico destino do génos dos Labdácidas. Somos, assim, remetidos à moderna questão das relações e das representações de gênero, abordada muitas vezes nos termos simplistas de uma separação estrutural entre homens, cidadãos e soldados, e mulheres, esposas e mães.
Por meio desta tradução, que restitui a vitalidade das poderosas palavras do poeta, Ésquilo nos convida a reler um velho “mito” grego: um archaîon em uma representação de tragédia para melhor pensar o presente, de maneira crítica.
Claude Calame
Directeur d’Études, EHESS, Paris
Coro:
Me traz tremor a dor atroz do meu pavor!
O tropel, como trota, atrás deixando o trato!
Caudal é a imensa hoste que galopa.
O pó que turge no ar me persuade,
núncio sem voz, translúcido e veraz.
O casco acossa o plaino que me grita.
Revoa e soa como o incontornável
vórtice na escarpa.
Deuses e deusas, evitai o desembarque
da ruína já nas cercanias!
Clamores sobre os muros:
irrompe o escudo branco da massa
no avanço nítido contra a cidade.
Que deus ou deusa nos protege?
Que deus ou deusa os repele?
Prostro-me diante do estatuário
de numes ancestrais?
Ó aventurados, em sedes de esplendor!
Sete contra Tebas de Ésquilo (2018) – tradução, posfácio e notas de Trajano Vieira
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