Prometeu acorrentado nos confins da terra habitada, Prometeu condenado a sobreviver em um deserto sem humanos na terra cita, Prometeu preso por Hefesto, o artesão filho de Zeus, a uma rocha, Prometeu, filho da sábia Têmis, punido por se mostrar filantropo, Prometeu imobilizado e depois torturado por ter dado aos mortais o fogo, fundamento de todas as artes técnicas.
Diante do público de cidadãos da Atenas da era de Péricles, o Prometeu encenado por Ésquilo convoca o éter, os ventos alados, as águas dos rios, as ondas do mar, a terra mãe de todas as coisas como testemunhas para denunciar os sofrimentos infligidos pelos deuses, ele que, conforme o próprio nome, conhece o futuro, ele que compreende a força do destino.
A punição imposta ao herói titã pelos deuses contrasta com sua benevolência para com os mortais. E diante do coro das filhas de Oceano, o herói acorrentado não deixa de enumerar as tékhnai que inventou e ensinou aos homens para torná-los seres racionais e civilizados: conhecimentos práticos que fizeram deles seres esclarecidos, eles que antes viviam como formigas cegas no fundo de cavernas obscuras, olhando sem ver, escutando sem ouvir. Prometeu ensina, portanto, os homens a ler os sinais dos astros para antecipar a alternância das estações, a domesticar animais para a agricultura e o comércio; ele introduz a arte da navegação com velas, artes mnemotécnicas como a aritmética e a escrita alfabética, receitas de medicamentos para curar doenças, artes da adivinhação para prever o futuro. Essas artes técnicas são apresentadas como mekhanémata, mecanismos engenhosos, como sophismata, saberes práticos, como póroi, recursos para escapar do impasse, e também como ophelemata, práticas úteis para o homem. Essas tékhnai apelam não apenas para a inteligência artesã e astuciosa que é a mêtis, mas também para a capacidade de conhecimento prático que é a sophía; são também atributos do poeta, artesão da linguagem, de que Ésquilo, ou seu colega “mestre de coro”, são exemplos fascinantes.
No entanto, o homem permanece mortal e, assim como Prometeu, ele deve evitar transpor os limites que lhe são atribuídos. A advertência trágica é atual para nós, que enfrentamos destruições ecológicas e sociais causadas por nossos usos inveterados de poderosas técnicas e tecnologias a fim de explorar, visando o puro lucro econômico e financeiro, um ambiente que objetivamos em natureza como reservatório inesgotável de recursos.
Mais uma vez, o confronto com as manifestações poéticas de outra cultura, distante no espaço e no tempo, nos convida a um duplo descentramento: em relação à outra cultura, a cultura distante, e, em um retorno crítico, em relação ao nosso próprio sistema de representações e práticas. Essa abordagem é o que a leitura renovada de Prometeu Prisioneiro nos convida a fazer hoje, graças à bela tradução de Trajano Vieira.
Claude Calame
Directeur d’Études, EHESS (Centre AnHiMA), Paris
Versos iniciais da peça
PODER
Termina o mundo e chega a terra cita:
homem nenhum, deserto inacessível.
Deves cumprir à risca, Hefesto, o édito
paterno: aprisionar o criminoso
com fortes cabos de aço no rochedo
íngreme. Ele roubou a tua flor
— brilho ígneo, matriz de toda técnica —,
passou-a a mãos humanas. Tal afronta
aos imortais requer castigo duro.
Que aprenda a dar valor à voz de Zeus
e refreie seus gestos filantrópicos.
Prometeu Prisioneiro de Ésquilo (2023) – tradução, posfácio e notas de Trajano Vieira
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