Os Persas, que a editora Perspectiva disponibiliza ao leitor brasileiro na sua coleção Signos, em nova e arrojada tradução de Trajano Vieira, é a mais antiga tragédia remanescente e, não obstante, mantém-se atual: o embate entre Oriente e Ocidente é abordado com rara poeticidade, numa atmosfera de fascinante pesadelo, premonizado pelo sonho da rainha sobre as suas irmãs que se dilaceram. Diferentemente de outros dramas gregos, o núcleo aqui não é um evento mitológico, mas um fato histórico: a batalha de Salamina, ocorrida em 480 a.C., que marca o declínio persa nas chamadas Guerras Médicas. A hipótese de que Ésquilo tenha participado desse conflito é aceita pela maioria dos especialistas.
A qualidade e a ousadia desta transcriação possibilitam ao leitor captar toda a organização e a riqueza do original, bem como sua força. A linguagem dramática atinge momentos de rara invenção, graças à sonoridade estampada nos catálogos de nomes dos invasores, ao emprego de palavras de mesma raiz, indicadoras da monumentalidade oriental. O requinte extremado, o contingente militar excessivo são delineados com precisão para que sua outra face surja mais nítida: a fragilidade do poder, incapaz de perceber a própria vulnerabilidade por imaginar perene a glória. Eis um tema caro aos gregos, persistente na história: a desmedida como causa do próprio aniquilamento, a dificuldade de a temperança nortear o destino humano.
Mensageiro:
…
Uma trombeta inflama todos os quadrantes.
O trom das pás que estrondam no oceano fundo
reverberava a voz que ondula do comando,
quando subitamente a massa surge à frente:
primeiro, enfileirada, a ala destra avança
à testa de uma formação acaudilhada;
e se fazia ouvir o ronco do bulício:
“Filhos da Hélade, adiante! Libertai
a pátria, libertai os filhos e as mulheres,
templos dos numes íncolas e os ancestrais
sepulcros! O combate nos concerne, a todos!”
E o rumor indistinto em idioma persa
se discerniu: urgia agir. Subitamente,
a nave crava o bronze do esporão em nave;
foi um navio helênico a principiar
o ataque, esmigalhando o ornato de uma proa
fenícia. E um manobra o lenho contra o outro.
Os Persas de Ésquilo (2013) – tradução e introdução de Trajano Vieira
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