Em Prometeu Prisioneiro, Ájax, Édipo Rei, As Bacantes, Édipo em Colono e Agamêmnon, Trajano Vieira percorreu, numa rica amostragem, um amplo espaço da tragédia grega. Entretanto, o seu projeto tradutório compreende quase todo o legado do gênio helênico no palco, incluindo, portanto, a vertente cômica desse universo cênico. É claro, neste caso, que está se falando de Aristófanes, antes de mais nada, e é com duas peças dessa matriz que o leitor brasileiro terá oportunidade de entrar em contato com a fala única de suas origens, que Lisístrata e Tesmoforiantes nos transmitem, carregada de toda força inventiva, às vezes até brutal, da sátira verbalizada e vocalizada pelos sátiros da terra dos sátiros.
É, pois, com toda razão poética que o tradutor nos diz que “na montagem de formas e registros dissímiles”, de suas junções, “despontam, inesperadas, as fagulhas do riso”, que encobrem “latentes os elementos sutis, complexos e conflituosos que configuravam o imaginário grego da época” e que conservam, pela magia de sua arte, o poder de falar aos olhos e à imaginação do leitor e do espectador de hoje, na letra do livro que a editora Perspectiva lhe propõe nesta edição da coleção Signos.
Lisístrata
Lisístrata:
Pouco me empolga achincalhar Atenas,
mas analisa o caso por ti mesma!
Tão logo cheguem as peloponésias
com as beócias, salvaremos juntas,
sim!, nós, mulheres, reunidas, a Hélade!
Cleonice:
Esperas brilho e sensatez de quem
fica plantada em casa, maquilada,
lindura em túnica ciméria, em manto
açafrão, no frufru de suas pantufas?
Lisístrata:
Arômatas, pantufas, roupas trans-
visíveis, microtúnica açafrão,
ruge… são nossos trunfos para a paz.
Tesmoforiantes
Critila:
Suplicai aos olímpios e às olímpias,
aos deuses pítios e às deusas pítias,
aos délios e às délias e aos demais!
Se houver conspiração contra mulher,
se alguém quiser negociar com medos
ou com Eurípides em detrimento
das mulheres, se sonha restaurar
a tirania ou tem em mente a re-
condução do tirano, ou se dedou
mulher por falso filho, ou se a escrava
fofoqueira cagueta a chefa ao chefe,
se a mensageira altera seus recados,
se o amante bom de lábia inventa histórias
descumprindo o que um dia prometeu,
se uma coroa oferta um dom ao caso,
se a cortesã o ganha e mete um corno
no amigo, se o barista ou a barista
põe menos na garrafa ou na caneca,
rogai que morram inclementemente
eles e os seus, e para vós pedi
que os deuses guardem só o que for bom!
Lisístrata e Tesmoforiantes de Aristófanes (2011) – tradução, introdução e notas de Trajano Vieira
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