Sófocles ou Eurípides? Melhor seria afirmar: Sófocles e Eurípides. Electra em dobro. O leitor terá oportunidade de cotejar, neste volume, dois monumentos da tragédia grega, nos quais o tema do matricídio recebe tratamento diverso: clássico em Sófocles, moderno em Eurípides. O empenho obsessivo no plano de punir Clitemnestra é responsável pela tensão que perpassa a tragédia sofocliana do começo ao fim: mais do que na ação dramática propriamente dita de Electra, fixamo-nos na coerência dilacerante com que reage aos acontecimentos que se lhe apresentam. Não à toa Virginia Woolf considerou a filha de Agamêmnon um símbolo da máxima fidelidade. Nem a penúria, nem a humilhação extrema fragilizam a têmpera sublime da heroína. Eurípides retoma o tópico da vingança de um ângulo em que seu pendor experimental transparece com toda força expressiva: introduz elementos cômicos, um relato alusivo a Homero, digressões éticas e um coro que prenuncia o labor verbal do helenismo tardio. O efeito patético parece nortear cada uma de suas cenas.
Apenas 16 anos separam Sófocles (496-406 a. C.) de Eurípides (480-406 a. C.), algo surpreendente quando nos damos conta das diferenças existentes entre os dramas homônimos. Por outro lado, a persistência da atitude insubmissa e da ação corrosiva do ato injusto na alma hiper-sensível de uma jovem solitária são marcas profundas que latejam igualmente nas duas obras-primas, que a Ateliê Editorial apresenta aos leitores em apurada tradução poética da lavra de Trajano Vieira.
Electra de Sófocles
Electra:
…
Consegues figurar meu dia-a-dia,
vendo Egisto assentar no sólio as nádegas,
indumentar-se com os paramentos
de um morto, delibar onde o matou,
e, cúmulo dos cúmulos, deitar-se
no leito de meu pai, onde se amoita
com minha triste mãe, se é que merece
ser chamada de mãe quem goza assim?
Electra de Eurípides
Electra:
Noite negra, nutriz de estrelas ouro,
dirijo-me ao riacho de água límpida
equilibrando o cântaro à cabeça;
não que me prema a penúria extrema,
mas para fazer ver que Egisto agride-me
aos deuses, lamentar meu pai ao éter.
Para o desfrute a sós do novo cônjuge,
minha mãe pan-corrupta me expulsou.
Depois dos filhos que lhe deu Egisto,
Orestes e eu sobramos no solar.
Electra(s) (2009) – tradução e introdução de Trajano Vieira
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