O projeto tradutório e poético que Trajano Vieira vem desenvolvendo, no qual ofereceu ao leitor, na coleção Signos da editora Perspectiva, Prometeu Prisioneiro, Ájax, Édipo Rei, As Bacantes e Édipo em Colono, dá mais um passo em seu ousado propósito, vertendo para o vernáculo Agamêmnon, a peça que inicia e que compõe com As Coéforas e As Eumênides a trilogia da Orestéia. Neste conjunto, que conquistou a láurea do 18º agon ateniense, o gênio trágico de Ésquilo atinge certamente o seu píncaro. E ele o faz pela profunda visão que tem da natureza dos homens, de suas relações de poder e da infalibilidade final das razões de justiça sobre as de Estado e de sangue no universo da Grécia clássica, tal como a percepção e a reflexão coletivas inscreveram sua potência semântica nos mitos e em seus relatos e a irradiaram por mediação, não especular, porém simbólica, na criação deste primeiro expoente máximo da arte tragediográfica. Mas o que, acima de tudo, a eleva no vôo sublime de sua expressividade é a força com que sua linguagem criativa se desdobra e se plasma nas formas de seu verbo. E é neste aspecto que a presente versão realiza o seu maior feito, pois, como nenhuma outra, ela não se propõe apenas a produzir o mero texto claro e distinto da tragédia esquiliana, uma espécie de paráfrase mais ou menos próxima da organização sintática e vocabular do original. Porém, sem renunciar à fidelidade estrutural, filológica e crítica à sua fonte, empreende uma transcriação haroldiana da palavra em busca de sua pujança poética, em cujo círculo mágico de ressonâncias e conotações o espírito da língua pretende reencontrar o daimon da inspiração e da musa dramática. Eis o intento polifônico desse atrevido e bem-sucedido transcriador brasileiro. Seus textos, no entanto, não privam o receptor da vivência e da fascinação da palavra no reino encantado da re-velação dos sentidos e das significações, para uma dessas descobertas em que a leitura em português e, mais ainda, a sua encarnação cênica podem propiciar.
J. Guinsburg
Agamêmnon:
Prole de Leda, guarda do meu paço,
tua prosápia faz par com minha ausência
na extensão. O louvor só tem valor
quando é um prêmio que os outros nos regalam.
Não queiras me mimar feito mulher,
nem, de joelho, me aclames como um bárbaro,
nem tornes invejável meu caminho,
recobrindo-o. Só deuses o merecem.
Homem que sou, não piso sem temor
em adereço furta-cor. Meu sonho
é colher louros de homem, não dos deuses.
Sem tapetes no chão e sem brocados,
a fama clama. A sensatez é o dom
maior que um deus nos dá. Receba aplausos
quem chega ao fim da vida em paz e próspero.
Não me motiva – friso! – o teu pedido.
Agamêmnon de Ésquilo (2007) – tradução, introdução e notas de Trajano Vieira
Acesso a traduções recentes